QUARESMA, TEMPO DE PENITÊNCIAS?
É chegado o tempo da quaresma, período de quarenta dias que antecede a data mais importante para o cristianismo: “A morte e a ressurreição de Cristo”.
Nesta época, os cristãos em sua
maioria, são convidados à reflexão espiritual promovendo uma renovação sincera de
atitudes. Para os católicos, faz-se necessário a oração, a penitência e a
caridade para o encontro com Deus, tempo de preparação para a páscoa.
Momento de Oração |
No período quaresmal é muito
comum nos depararmos com pessoas cumprindo promessas, jejuando e fazendo
penitências. Os fiéis mais tradicionais se abstêm do consumo da carne vermelha,
outros passam os quarenta dias sem cortar o cabelo e a barba, enfim, não raro
são aqueles que realizam algum tipo de sacrifício neste período.
Segundo o dicionário da língua portuguesa,
a palavra penitência faz referência a arrependimento, remorso de haver ofendido
a Deus, ou uma pena que o confessor impõe ao confessado. Já o sacrifício, tem o
sentido de “fazer alguma coisa sagrada”, entretanto esse conceito é variável de
acordo com as diferenças culturais.
De um modo geral, as penitências
são caracterizadas por privações voluntárias que aproximam de alguma forma o
homem a Deus, isentando-os de seus pecados.
Mas, quarenta dias seriam
suficientes para redimir os homens de seus erros? Até que ponto as penitências
são válidas? Será que necessitamos de um período específico para refletir
nossas atitudes e dar início a uma transformação moral?
Busquemos a resposta em O Livro
dos Espíritos, nas perguntas 720, 722, e 726 no Capítulo V – “Da Lei de
Conservação”:
720. São meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias, com o objetivo de uma expiação igualmente voluntária?
“Fazei
o bem aos vossos semelhantes e mais mérito tereis.”
a) Haverá privações voluntárias
que sejam meritórias?
“Há:
a privação dos gozos inúteis, porque desprende da matéria o homem e lhe eleva a
alma. Meritório é resistir à tentação que arrasta ao excesso ou ao gozo das
coisas inúteis; é o homem tirar do que lhe é necessário para dar aos que
carecem do bastante. Se a privação não passar de simulacro, será uma irrisão.”
722.
Será racional a abstenção de certos alimentos, prescrita a diversos povos?
“Permitido é ao homem
alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde. Alguns legisladores,
porém, com um fim útil, entenderam de interdizer o uso de certos alimentos e,
para maior autoridade imprimirem às suas leis, apresentaram-nas como emanadas
de Deus.”
726.
Visto que os sofrimentos deste mundo nos elevam, se os suportarmos devidamente,
dar-se-á que também nos elevam os que nós mesmos nos criamos?
“Os sofrimentos naturais são os únicos que
elevam, porque vêm de Deus. Os sofrimentos voluntários de nada servem, quando
não concorrem para o bem de outrem. Supões que se adiantam no caminho do
progresso os que abreviam a vida, mediante rigores sobre-humanos, como o fazem
os bonzos, os faquires e alguns fanáticos de muitas seitas? Por que de
preferência não trabalham pelo bem de seus semelhantes? Vistam o indigente;
consolem o que chora; trabalhem pelo que está enfermo; sofram privações para alívio
dos infelizes e então suas vidas serão úteis e, portanto, agradáveis a Deus.
Sofrer alguém voluntariamente ,apenas por seu próprio bem, é egoísmo; sofrer
pelos outros é caridade: tais os preceitos do Cristo.”
Analisando as afirmativas
contidas em “O Livro dos Espíritos”, observamos que a visão do espiritismo com
relação às penitências, difere de outras religiões. Para a doutrina dos
espíritos, as privações somente são válidas quando afastam o homem das
futilidades materiais que nada acrescentam na evolução do espírito, entretanto,
deve ser um exercício contínuo na busca pelo progresso moral, não limitando-se
a quarenta dias a cada ano.
Terá maior mérito perante Deus, aquele que aplica sua penitência em benefício de outrem, ou seja, pratica a caridade que, aliás, para nós que ainda somos espíritos imperfeitos, ser caridoso é uma grande penitência.
Terá maior mérito perante Deus, aquele que aplica sua penitência em benefício de outrem, ou seja, pratica a caridade que, aliás, para nós que ainda somos espíritos imperfeitos, ser caridoso é uma grande penitência.
Com relação a abstinência de
certos alimentos, segundo o espiritismo, nos é permitido consumir qualquer
substância que não nos comprometa a saúde, em qualquer época do ano, isso se
aplica ao consumo de carne. Devemos considerar que nossa matéria densa carece
de proteína para funcionar adequadamente, cuja principal fonte é a carne.
"Carnevale" - Idade Média |
A proibição do consumo de carne
vermelha na quaresma surgiu na idade antiga, consolidando-se na idade média,
época em que os pobres não tinham recursos para introduzir a carne em suas
refeições. Desta forma a carne vermelha era consumida apenas pelos ricos nos
banquetes, onde se tornou o símbolo da gula, um dos pecados capitais. Para
evitar conflitos com a nobreza, a igreja orientava o consumo de carne à livre
demanda, por sete dias, antes do período quaresmal, essa tradição ficou
conhecida como “carnevale” (o prazer
da carne), daí a origem do carnaval. Após o “carnavale”, a população deveria abster-se da carne pelos quarenta
dias que antecediam a páscoa. O peixe não entrou nesta lista, por isso tinha o
consumo liberado.
Cristo ensinando a caridade. |
Com o passar dos tempos, a carne
foi introduzida no cardápio do dia a dia, perdendo a tradição dos banquetes. E
hoje, cada vez menos as pessoas praticam a abstinência de carne vermelha na
quaresma, provando que esses hábitos são apenas tradições que nada tem haver
com os ensinamentos do Cristo.
Diante dessas considerações,
podemos afirmar que as privações voluntárias pouco contribuem para o progresso
espiritual, uma vez que, o sofrimento provocado caracteriza imaturidade de
nosso espírito, pois não produz nenhum efeito depurador para a alma, ao
contrário do sofrimento natural.
Busquemos sim, uma reflexão
profunda de nossas atitudes para auxiliar em nossa reforma íntima, pratiquemos
a caridade em auxílio do próximo para sermos também auxiliados, mas lembremos,
todo o tempo é tempo de plantar.
Referências:
“O Livro dos Espíritos” – Allan
Kardec
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